quarta-feira, 16 outubro, 2024
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Um filho de Goa une a Índia ao Brasil

Por Arunansh B. Goswami
Advogado e historiador indiano

A Índia e a América Latina estão geograficamente distantes, mas muito próximas ideologicamente, representamos o Sul Global, que merece um lugar nos corredores do poder mundial, povoado por um consórcio de tomadores de decisão que ostentam o seu direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e de várias outras maneiras acentuando o abismo entre os que têm e os que não têm. Num mundo cada vez mais globalizado, onde a política da era da Guerra Fria se torna cada vez mais obsoleta e arcaica, nós, como duas geografias diferentes com as mesmas aspirações, merecemos ser reconhecidos como grandes pólos de poder no mundo, totalmente empenhados na melhoria do mundo como um lugar para viver. Fomos o lar de civilizações antigas e de diversas culturas, e ao longo dos anos nos conectamos devido ao aventureirismo de uma antiga potência colonial, os portugueses. Embora a Índia caia substancialmente na Anglosfera, e a América Latina ainda na Hispanosfera e Lusosfera, há uma parte da Índia que compartilha língua e cultura com os latino-americanos, especialmente os brasileiros. Esta parte são as antigas áreas do Estado da Índia ou Índia Portuguesa, sendo Goa a sua antiga capital.

Gilberto Freyre Sociólogo-antropólogo brasileiro defensor do lusotropicalismo, ideologia que postulou no Instituto Vasco da Gama de Goa, na Índia, onde teorizou sobre o estilo benigno e criativo da colonização portuguesa em oposição à versão do Norte da Europa – em sua obra-prima sobre a sociedade agrícola nordestina, Casa Grande & Senzala. Ele ficou profundamente impressionado com o que descobriu ser semelhante entre a exótica Goa e sua terra natal brasileira. Além dos elementos do ambiente natural, havia artefatos, costumes, gostos, conhecimentos que ambos os locais pareciam partilhar – em suma, havia de alguma forma uma cultura partilhada que só poderia relacionar-se com uma história comum sob influência portuguesa. Embora o autor deste artigo considere o Lusotropicalismo uma ideologia inerentemente defeituosa, manifestando o velho ditado de que todo oleiro elogia a sua panela, onde uma potência colonizadora tenta justificar o seu acto de colonização como um serviço público para espalhar a chamada “civilização”, ao mesmo tempo que difama e insulta o mesmo feito por outras potências coloniais, ele considera bastante real a outra ideia de Gilberto Freyre de semelhança entre Goa e Brasil por causa de sua trajetória histórica compartilhada. Goa e outras partes da antiga Lusosfera na Índia são culturalmente muito semelhantes ao Brasil e têm uma característica latino-americana, por assim dizer, na Índia. Há de fato uma família goesa que tem sido a ponte viva entre a Índia e a América Latina, e enriqueceu ambas as razões pela sua excelência nas diferentes disciplinas do conhecimento humano, são os de Mellos de Benaulim Goa.


O filho de Goa que ligou a Índia com as nações lusófonas

Indalencio Pascoal Froilano de Mello nasceu a 17 de Maio de 1887 em Benaulim, filho mais velho do advogado Constâncio Francisco de Mello, e de Delfina Rodrigues, filha do Dr. Raimundo Venâncio Rodrigues, prefeito goês de Coimbra, membro das Cortes em Portugal, e um dos primeiros diretores da Escola Médica de Goa – a Escola Médico-Cirúrgica de Goa. Os de Mellos são católicos brâmanes de Salcete, estabelecidos por sessenta e seis clãs de brâmanes do norte da Índia que fizeram deste lugar seu novo lar, por isso este lugar passou a ser chamado de ṣaṭa-ṣaṣṭi em sânscrito ou sessenta e seis. Os de Mellos porque sua origem estava no topo de uma sociedade socialmente segregada baseada em castas da Índia pré-republicana.

Foi uma grande tragédia na vida do jovem Froilano de 12 anos quando seu pai, Constâncio de Melo, faleceu, os dias de prosperidade acabaram para ele. Órfão aos 12 anos, mas dedicado e determinado a fazer grandes coisas na vida, o jovem Froilano trabalhou enquanto estudava. Havia algum financiamento disponível nas propriedades da família que não eram geridas de forma competente pelo inventariante. Consequentemente na pobreza, foi uma infância bastante difícil para Froilano, que não pôde ir a Portugal para estudar, o que poderia ter acelerado a sua saga de sucesso, mas a carreira de Froilano começou com a sua graduação na Faculdade de Medicina de Goa em 1908.

Por que foi um risco para ele não poder completar os seus estudos em Portugal? A resposta está na dinâmica colonial portuguesa que manteve a colônia um degrau abaixo do país colonizador.  Os que frequentaram a Faculdade de Medicina de Goa tiveram de enfrentar dificuldades adicionais para seguirem a carreira médica: tiveram de fazer aperfeiçoamentos e exames em Portugal. Sem isso, eram deixados para fazer empregos secundários e só podiam assumir cargos de segunda categoria – facultativo de segunda classe – nos serviços de saúde coloniais, que incluíam os postos avançados de Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné, São Tomé, Macau e Timor. Se tivessem sorte, assumiriam posições dentro do Estado da Índia, que incluía Goa, Damão e Diu. Mas não podiam exercer a profissão em Portugal, nem ocupar os lugares mais elevados nas posições coloniais. Mais tarde, Froilano escreveu “A la Veille du Centenaire” (1941), um livro que lista todas as conquistas dos primeiros cem anos da Escola Médica de Goa.

Mas apesar de todas as dificuldades, formou-se médico em Pangim, doutorou-se em medicina no Porto e foi nomeado professor da Escola Médico-Cirúrgica de Goa em 1910, aos 23 anos, obtendo ainda posições de professor em várias outras instituições acadêmicas de prestígio no mundo. Os seus trabalhos nas áreas da medicina e da ciência foram publicados em diversas revistas científicas de prestígio em todo o mundo. Representou também Portugal em trinta e sete Conferências Internacionais. Não apenas como cientista, mas também como político, Froilano teve sucesso e serviu a sua terra natal, Goa. Em 1926, foi eleito deputado ao Parlamento para representar a Índia portuguesa em Lisboa, como presidente da Câmara de Pangim de 1938 a 45, e como deputado do Parlamento para representar Goa em Lisboa, as suas contribuições para o desenvolvimento de Goa têm sido fenomenais. Embora o Acto Colonial de 1930 tenha feito dos goeses cidadãos de segunda classe em Goa, este grande filho de Goa conseguiu representar Goa em Portugal em 1945 e promover o interesse da sua terra natal. Ele foi o único deputado independente no período 1945-49; sendo todos os outros membros do partido UNIÃO NACIONAL de Salazar.

Froilano começou a lutar por uma ‘Goa, Damão e Diu’ independente, no quadro de uma Commonwealth com Portugal. Este sonho publicamente proclamado de um GOA INDEPENDENTE, no entanto, não foi apreciado pelo governo de Salazar em Lisboa, que se opôs totalmente a qualquer conversa sobre a independência de Goa, um bem histórico valioso, que foi “parte integrante de Portugal durante séculos”. Segundo o Sr. Alfredo de Melo e o Dr. José Colaço em 1950, o Dr. Froilano, pela primeira vez em seu mandato, não foi nomeado delegado de Portugal para participar do congresso médico em Quitandinha, Petrópolis, Brasil. Mesmo assim ele foi ao Brasil – mas a convite do presidente brasileiro Eurico Gaspar Dutra e de seu ministro da Educação, Pedro Calmon. O Dr. Froilano foi recebido calorosamente no Brasil, em grande contraste com o ostracismo que enfrentou em Goa.

Como consequência, o desapontado mas indobrával Dr. Froilano emigrou em 1951 para o Brasil, onde viviam três de seus filhos. Ele também esteve lá no ano anterior para participar de uma conferência médica internacional, a convite do governo brasileiro. Estabeleceu-se em São Paulo, onde continuou suas atividades científicas e estudos de parasitologia, e no processo identificou várias novas espécies de parasitas. Suas obras foram publicadas postumamente pelo Instituto Ezequiel Dias, de Belo Horizonte, Brasil. Após uma dolorosa luta contra o câncer de pulmão, Froilano faleceu em 9 de janeiro de 1955 no Brasil, longe da terra que tanto amou e pela qual lutou tão valentemente – GOA.

Índia e Brasil

Somos membros do “BRICS” que é o motor de crescimento do mundo contemporâneo, representamos a aspiração do Sul Global por um mundo mais igualitário, e os leitores devem ter percebido após a leitura deste artigo, que estamos conectados pela história e cultura, e especialmente por uma família, De Mellos, mostra como pessoas fora de casa se tornam embaixadores culturais de seu país e unem duas nações, obtendo prosperidade para o seu lar natal e o seu lar adotivo, pela busca de  excelência e sucesso. Viva a amizade entre a Índia e a América Latina!

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