quinta-feira, 21 novembro, 2024
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Cuba: na Igreja da Caridade

Por Claudia Godoy, de Havana, Cuba

 

Estou em Cuba para conhecer a história das religiões presentes na Ilha. E minha primeira visita foi ao Santuário da Caridade, em Havana Velha, onde entrevistei o padre Ariel Suárez, que é pároco do Santuário há dez anos. 

A fé cubana impressiona-me logo de cara ao ver mulheres, homens e crianças buscando na religião apoio para diversos problemas. Observo que a presença das pessoas na igreja lembra muito o que ocorre no Brasil. Há algumas com dificuldades de locomoção, idosos, viciados em álcool, com problemas psiquiátricos, solitários e perturbados por questões diversas, pedem ajuda de todo tipo.

Claro que há também aqueles que buscam o espaço santo apenas para agradecer, louvar a Deus e apreciar a linda arquitetura do Santuário Católico. Vi também um moça grávida de nove meses com a mãe, o marido e o filho pequeno pedirem as orações do padre por um bom parto e, uma senhora aflita porque o filho estava preso. Uma parte dos fiéis procura um prato de comida e uma conversa com o padre Ariel. Eles parecem confiar no sacerdote para contar os seus segredos e nas suas orações pela solução dos problemas, além do perdão dos pecados. Confiança.  Guardem esta palavra.

Descubro depois ao entrevistar o padre que os fiéis da igreja têm o número do telefone dele, estão em grupos de WhatsApp com o religioso para pedir orações, medicamentos e informar quando estão doentes.

As doações dos cubanos durante a missa ocorre como parte da cerimônia da missa católica. 📸Claudia Godoy
Durante a missa muitos cubanos mostram a sua fé durante as orações. 📸Claudia Godoy

Logo um senhor muito alto se apresenta a mim muito simpático, mas pede dinheiro. Tenho dúvida, assim como ocorre no Brasil, se o dinheiro é para bebida, digo que não tenho.  Fico com um aperto no coração assim como me ocorre quando isso acontece quando estou no meu país.  Eu estava muito feliz com a beleza da igreja e da cidade de Havana e a tristeza logo passa. A missa começa com os cânticos de uma intensa voz feminina que vem de uma espécie de camarote construído no estilo barroco bem na entrada do templo. A voz parece divina, é de uma senhora deslumbrante e discreta posicionada quase escondida no canto com um órgão antigo tocado com exímia habilidade. Penso, de repente, que aquela cantora poderia estar em qualquer palco do mundo. Bastava ela querer. Mas ela preferia estar ali. Que sorte a minha. Seu nome é Ada Maria Rabelo. Uma organista e cantora formada pelo Conservatório Amadeo Roldán, de Havana. Uma grande honra para mim conhecê-la.

Seu nome é Ada Maria Rabelo. Uma organista e cantora formada pelo Conservatório Amadeo Roldán, de Havana. Uma grande honra para mim conhecê-la. 📸Claudia Godoy
O coro completo da Igreja da Caridade. 📸Claudia Godoy

O Santuário de la Caridad, dedicado à Virgem da Caridade do Cobre, a Padroeira de Cuba, reúne fiéis de Havana e de outros bairros vizinhos. É uma manhã de quarta-feira, o clima está agradável na cidade cheia de luz própria e arquitetura impressionante. Claro, há problemas, como o lixo que se acumula por causa da falta de combustível provocada pelo bloqueio. Mas nem isso consegue tirar a beleza de Havana.

A missa aqui é como em qualquer outro lugar do mundo, tem o mesmo ritual. E quando chega a parte de receber a hóstia consagrada vejo o mesmo homem alto na fila. Que homem santo, penso. E eu não dei o dinheiro que ele havia me pedido. A culpa volta a me atormentar. De repente, quando chega a vez dele, o outro padre, uma espécie de auxiliar de Ariel, o sacerdote que estava celebrando a missa, pára. Vejo que ele pergunta algo como se fosse quase uma acusação: você se confessou? Os católicos para comungar devem antes fazer a confissão para serem perdoados dos pecados. Eles deve estar livre de falhas para receber o Corpo de Cristo representado pela hóstia.  O homem olha para mim e faz um bico como se reclamasse e pedisse ajuda ao mesmo tempo. Fico sem ação naquele momento. O padre parece se convencer e concede o sacramento. Meu alívio é enorme. Graças a Deus, penso. Isso dá mais pontos àquele pobre homem junto aos sacerdotes e irá garantir a atenção que ele necessita.

A hóstia consagrada é oferecida a um fiél cubano. 📸Claudia Godoy

O sermão do padre fala das crianças e lembro dos meus próprios filhos ainda pequenos. Mãe vive sempre com culpa. E o padre Ariel cita o Evangelho onde Jesus dizia querer que fôssemos como as crianças porque elas são as mais importantes do Reino dos Céus.  Que lindo sermão. Em espanhol essa história me pareceu mais bela.

O padre analisa que a Igreja aprendeu a estar presente em qualquer sistema social. “A Igreja está no mundo inteiro. Está em países muçulmanos onde o Cristianismo é minoritário e em países com sistemas sócio-políticos diversos “, diz o pároco.  Ele afirma, ainda, que a Igreja tem a missão de fazer o que Jesus pediu. “A Igreja pode encontrar dificuldades em sua missão, mas não pode renunciar a cumprí-la”, analisa. Eu pergunto qual seria a missão da Igreja e o sacerdote responde que é antes de tudo o anúncio do Evangelho.  “A evangelização é a boa notícia que Cristo trouxe ao mundo”, garante o padre Ariel.

O passado turbulento com o governo cubano é destaque da minha conversa com o sacerdote. Ele afirma que Cuba vive uma história única no mundo e, por isso, Igreja e Estado tiveram momentos de confrontação muito difíceis.  Isso ficou para o passado, foi há décadas, ressalta o padre Ariel, lembrando que no contexto latino-americano, um sistema sócio-político como o de Cuba não era frequente. “Em outros países da América Latina, quando triunfa a Revolução Cubana, não conhecíamos experiências deste tipo. Houve momentos muito duros”, disse o pároco.

O padre Ariel durante a celebração da missa. 📸Claudia Godoy

Hoje, a situação entre Igreja e Estado está diferente em Cuba. O sacerdote avalia que os religiosos encontraram os caminhos para evangelizar e servir ao povo de Deus. “Podemos ampliar nossos caminhos para evangelizar e servir ao povo de Deus”. Para o padre Ariel, o governo cubano hoje vê a presença das igrejas cristãs como um bem que realiza a evangelização, cultivo dos valores humanos e exercício da caridade com os pobres e mais desfavorecidos. ” A Igreja tem que ser criativa para levar a mensagem de salvação e criativa onde estiver”, ressalta o padre cubano.

Na sala de reuniões do padre uma moto scooter parada é um dos sinais da adaptação a qual o religioso se refere.  A Igreja também sofre os efeitos do bloqueio ao qual Cuba é submetida.  As filas para comprar gasolina tomam um tempo valioso do padre que muitas vezes deixa de fazer visitas aos enfermos de sua paróquia simplesmente porque não consegue enfrentar uma longa espera na fila para comprar gasolina.

O sermão sobre a importância das crianças no Céu volta a ilustrar a entrevista com o padre Ariel porque ele envia uma mensagem aos brasileirinhos pelo Dia da Criança, no próximo 12 de outubro.

“Jesus disse que as crianças são as mais importantes do Reino dos Céus.  Eu me pergunto o que ele quis dizer. Não deve ser que as crianças sejam ingênuas ou totalmente inocentes. Se as crianças brasileiras são assim, mandem-nas para cá porque as daqui são muito espertas”, afirma o padre. Jesus quiz dizer, explica ele, que as crianças confiam sobretudo no pai e na mãe.  Eles necessitam confiar.  Para o padre, Deus quer que sejamos como as crianças e confiemos nele. “Eu quero isso para os meninos brasileiros: que possam confiar. E que a família, a Igreja, a sociedade, ofereçam ambientes de confiança onde eles possam crescer e amadurecer em ambientes de confiança”, deseja o padre Ariel.

Deixo o padre Ariel depois da entrevista certa de que os católicos cubanos da Igreja da Caridade estão bem assistidos.  Ele transmite a confiança que só os pais e as mães possuem. E, no mundo de hoje confiar está muito difícil mesmo. Que bonito seria se as crianças pudessem viver num mundo de confiança, de amor e ternura. Uma pessoa sem isso não pode crescer e ser sã. Confiança.  Guardem esta palavra.

 

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