Por: Ivan Godoy
Há dois anos, o governo ultranacionalista da Índia, dando prosseguimento a sua escalada de radicalização contra a população de Caxemira, retirou o que restava de autonomia dessa região habitada majoritariamente por muçulmanos. Isso foi feito através da revogação de artigos da Constituição. Esta ação foi acompanhada por uma controversa emenda à Lei de Cidadania que tirou dos imigrantes muçulmanos a possibilidade de adquirirem a nacionalidade indiana.
A grave situação existente em Caxemira foi denunciada numa coletiva pelo conselheiro Azeem Ullah Cheema e o general de brigada Muhammad Ahsan, adido de Defesa da Embaixada do Paquistão em Brasília. Eles chamaram a atenção para o fato de que a repressão indiana contra a população de Jammu e Caxemira já provocou três guerras entre o seu país e a Índia, o que é cada vez mais preocupante, levando-se em conta que os dois países são potências nucleares.
Alertaram igualmente que a crise humanitária que afeta a população majoritariamente muçulmana de Caxemira e a violação de seus direitos humanos pelo governo indiano do primeiro-ministro Narendra Modi deveriam interessar a todos os países.
Para entender o problema, é preciso lembrar que ao acabar o domínio colonial britânico sobre o chamado Império da Índia, após a Segunda Guerra Mundial, foi decidido que o território seria dividido em duas nações independentes. Em 1947, a decisão tinha sido que as regiões de maioria muçulmana formariam o Paquistão e as de maioria hinduísta integrariam a Índia. Mais tarde, em 1971, a parte oriental do território paquistanês converteu-se em outra nação independente, Bangladesh, também de maioria islâmica.
Uma questão restou, no entanto, que vem minando desde a independência as relações entre Nova Délhi e Islamabad: a negativa do governo indiano a permitir que a população de Caxemira decida o seu próprio destino, através de um plebiscito, já aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU. Assim, o povo da região escolheria entre fazer parte do Paquistão, permanecer sob domínio da Índia ou converter-se numa nação autônoma.
O problema reside em que, apesar de ter maioria muçulmana, Caxemira ficou, em sua maior parte, no território da Índia. O descontentamento da população tem aumentado ao longo dos anos, pelo recrudescimento da repressão das forças de segurança indianas, que literalmente agem como uma tropa de ocupação numa área inimiga conquistada. O resultado é o número de 100 mil mortes desde 1989. Outras 25 mil pessoas estão desaparecidas, segundo números
revelados por entidades de direitos humanos.
A política ultranacionalista e de repressão às minorias religiosas levada ao extremo pelo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, chegou ao cúmulo de determinar a revogação, em agosto de 2019, da autonomia da parte da Caxemira sob controle da Índia. A região foi isolada e a população vive sob toque de recolher. Na ocasião, também foi cortada a internet, para aumentar a incomunicação dos habitantes.
A área é talvez a mais militarizada do mundo, com a presença de 900 mil soldados e policiais indianos para controlar uma população de oito milhões de habitantes. E além da repressão constante, o governo indiano busca modificar a demografia da região, levando até lá migrantes hindus, para que os muçulmanos se tornem uma minoria em sua própria terra.
Diante dessas graves denúncias e do aumento das tensões entre Índia e Paquistão, ninguém pode permanecer indiferente. É necessário exigir que o governo indiano aceite a realização de um plebiscito, determinado pela ONU, que permita ao povo de Caxemira decidir, com um atraso de sete décadas, o seu próprio destino.